O porquê de se viver em comunidade

A bruma da manhã já estava quase toda dissipada e os raios de sol, apesar de ainda fracos, conseguiam aquecer o frio que tomava conta do ambiente, iluminando as flores das árvores plantadas na Avenida Vereador Primo Monteschio. Tudo  conferia um ar ainda maior de serenidade ao evento, apesar de ser o  desfecho de um desdobramento possível, mas completamente inesperado, afinal, vários dias se passaram desde o acidente e mãe e filha estavam em franca recuperação.

Mara

Na celebração da noite anterior e na daquela manhã, as mesmas impressões. No choro, eu não via desespero, apenas uma explosão de saudade repentina. Nos abraços, eu não via apenas a transmissão de um conforto, mas da certeza de que, apesar da dor, o futuro seria possível. Nos olhares, a cumplicidade familiar que dispensa palavras. Nos testemunhos, frutos da convivência, a confirmação de que, pela sua vida, ainda que breve ao nosso sentir, a amiga Mara apenas seguia adiante, para um lugar melhor, embora sem a filha e o filho, deixando seu legado, que é ter sido mulher lutadora, mãe zelosa, filha amorosa, irmã presente, cristã atuante e fervorosa. Precisa mais? Penso que não...

Enquanto captava a emoção do momento, vinha-me à mente como era bom pertencer a uma comunidade de fé. Os que estavam ali, estavam pela pessoa que seguia... E pelos que permaneceram. Não se fizeram presentes em função de nenhuma vantagem fugaz e nem cumpriam um protocolo social.

Ao se aproximar o fim do ritual, lembrava-me de meus filhos, que estavam na escola, e pensava que era uma pena que não pudessem receber também aquelas lições. Nunca escondemos de nossas crianças a realidade da vida inscrita na morte. É inútil e perigoso. Inútil porque ela se fará conhecer, cedo ou tarde. Perigoso porque poderá trazer dificuldades quando aparecer, especialmente sem avisar.

Claro que não se coloca como um fardo pesado que se joga de qualquer jeito aos ombros dos filhos, mas aos poucos, em pequenas gotas. Quanto ao mais, é fruto de diálogo e fé, coisas que são construídas desde a mais  tenra infância.

De minha família, minha primeira comunidade, recebi mensagens de esperança desde quando minha avó paterna Maria se foi, quando eu tinha sete anos. E assim continuou acontecendo após cada partida de um novo alguém.

Meu avô (Flausino) e minha avó (Maria), ambos in memoriam

Não me tornei um super-homem e também nunca fui levado a sufocar o luto, ou mesmo fazer-me de vítima. Esforço-me para vivê-lo como parte integrante da vida, respeitando suas fases, cônscio de que estar razoavelmente preparado é algo que exige empenho e tempo; afinal, o próprio Jesus chorou pouco antes do retorno do amigo Lázaro (João 11, 35). 

Aliás, Jesus poderia ter ido sozinho ao túmulo do amigo para trazê-lo de volta. Mas não, foi em grupo, seguramente para nos mostrar  que a contemplação de sua glória só é possível quando se vive em comunidade.