Ruas
"Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz."
Cecília Meirelles, A arte de ser feliz
Tive contato com o texto cujo fragmento serve de epígrafe há muitos anos, não sei em que sala de aula e nem em qual cidade. Ele sempre ficou comigo desde criança, ao menos na sua essência porque os registros da memória e a desídia em voltar a ter contato com a obra de tão magnífica escritora impediram-me de reter os detalhes, que só agora pela internet alcancei novamente. O importante é que ele sempre me fez pensar nas ruas e janelas, ou melhor, nas vistas que eu tinha das casas que foram importantes na minha vida (e acho que todas foram!).
É verdade que jamais tive o hábito de ficar olhando pela janela a vida passar, talvez por pertencer a uma geração fortemente influenciada pela televisão, porém reparava nas ruas. E elas servem de âncora para que muitas lembranças não fujam.
Quando eu era muito pequeno, em Araruna-PR, numa das duas vezes em que moramos lá, minha mãe mandou-me atravessar a rua para comprar pão na "venda" que ficava em frente de casa. Eu, do alto dos meus medos de moleque que não saía de perto da mãe, comprei o pão e voltei correndo. Ela disse-me que ficara faltando um e mandou-me de volta. Chegando ao estabelecimento, o senhor que me atendeu falou que tinha fornecido os pães corretamente, assim como o troco. Na sequência, arrematou olhando e apontando para a rua: "Filho, você deixou um deles cair lá na rua quando voltava". E lá estava o pão próximo da guia da calçada.
Em várias outras cidades eu tinha o hábito de brincar de bola na rua que ficava em frente, quando possível. Era cômodo, afinal, em caso de uma briga que eu não pudesse aguentar, era só entrar correndo. E devo admitir que fiz isso algumas vezes.
Na cidade de Lagoa Dourada-MG, na rua da frente da nossa casa, jogávamos futebol e bola de gude, brigávamos, brincávamos inocentemente de mocinho e índio (não havia politicamente incorreto!), andávamos de bicicleta. Sobretudo, do outro lado daquela rua, havia a Escola Angelina Medrado, em cujo pátio aprontávamos para valer e de onde eu fiz o arremesso que eu contei aqui em outra ocasião.
De rua em rua, fui crescendo e carregando de cada uma delas uma lembrança, e continuo assim.
Já rapaz, em Maringá, conheci a Leila na rua, brincando de vôlei com uns amigos em comum. Na rua em frente à casa dos pais dela, que moram lá até hoje, ajudei-a com umas tarefas de química. E deu no que deu: casamos.
O primeiro apartamento em que moramos tinha as janelas voltadas para uma rua calma, que separava dois conjuntos de prédios. Ali frequentemente era estacionado um caminhão que nos acordava de madrugada no início e nos incomodava muito quando era ligado para "esquentar". Com o tempo, contudo, já nem mais ouvíamos o ronco do motor, de tão acostumados ficamos, e, afinal, era com ele que alguém ganhava seu pão.
Atualmente, moramos numa rua de paralelepípedo, coisa cada vez mais rara de se ver na era do asfalto. Não é muito movimentada e carrega em si um certo ar de nostalgia. Mesmo assim, não se vê nela um bando de crianças brincando de bola ou de esconde-esconde. Quando chove à noite, ela reflete o brilho das luzes e parece adquirir um ar de elegância todo seu, embora seja simplesmente a rua da minha casa. "Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz" (C.M.).
De rua em rua, fui crescendo e carregando de cada uma delas uma lembrança, e continuo assim.
Já rapaz, em Maringá, conheci a Leila na rua, brincando de vôlei com uns amigos em comum. Na rua em frente à casa dos pais dela, que moram lá até hoje, ajudei-a com umas tarefas de química. E deu no que deu: casamos.
O primeiro apartamento em que moramos tinha as janelas voltadas para uma rua calma, que separava dois conjuntos de prédios. Ali frequentemente era estacionado um caminhão que nos acordava de madrugada no início e nos incomodava muito quando era ligado para "esquentar". Com o tempo, contudo, já nem mais ouvíamos o ronco do motor, de tão acostumados ficamos, e, afinal, era com ele que alguém ganhava seu pão.
Atualmente, moramos numa rua de paralelepípedo, coisa cada vez mais rara de se ver na era do asfalto. Não é muito movimentada e carrega em si um certo ar de nostalgia. Mesmo assim, não se vê nela um bando de crianças brincando de bola ou de esconde-esconde. Quando chove à noite, ela reflete o brilho das luzes e parece adquirir um ar de elegância todo seu, embora seja simplesmente a rua da minha casa. "Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz" (C.M.).