Eu não podia saber


Eu não podia saber no que aquilo ia dar, mas fui.
Ocorreu em fins de Março do ano de 1988. Eu cursava o terceiro ano do segundo grau. As rádios tocavam músicas como  "A força do amor" e "De volta pro futuro", do Roupa Nova; Infinita Highway (Engenheiros do Hawaii);  "Take my breath away" (Berlin); Alone (Heart); Don't dream it's over  (Crowded House); La Bamba (Los Lobos), dentre outras
Os planos para o futuro me impulsionavam e as últimas espinhas, que tanto me atormentaram na adolescência  e  início da juventude começavam, finalmente, a dar sinais de fuga.
Cleverson, amigo e colega de turma do colégio, fez-me o convite de acompanhá-lo até a casa da Gislaine, então sua namorada, afirmando que sua vizinha e amiga nossa das brincadeiras de vôlei na rua também estaria lá, assim eu não ficaria de "vela", como se dizia. O Clever tinha muita consideração e respeito por ela e sua família.
Impossível esquecer aquele dia. Depois dele, eu e a Leila nunca mais ficamos longe um do outro e não consigo pensar minha vida sem ela.
Quando começou a ficar realmente sério eu não sei. Lembro-me um dia em que eu e ela tomávamos um ônibus em direção ao centro da cidade, num sábado à tarde, quando sol jogou uma luz no seus cabelos... e aquela imagem até hoje não saiu mais da minha mente...
 Uma outra ocasião, talvez tivéssemos uns dois anos de namoro, e se não me engano tínhamos brigado, certamente por algum assunto "muito sério" pelo qual jovens namorados se desentendem, veio-me à mente sua imagem vestida de noiva. 
Só sei que acabamos fechando questão em um projeto de vida  em comum, que assumimos de verdade com seis anos de namoro.
Aquela jovem foi se tornando cada vez mais sábia e sóbria no agir, deixando para trás muitas das inseguranças e se tornando uma mulher firme no agir e no pensar, qualquer que fosse a dificuldade. Suportou comigo as pressões na preparação do nosso matrimônio em uma época na qual a inflação era um dragão (de sete cabeças) bem acordado.
Uns dois anos antes do casamento, retomei o caminho da Igreja com ela, que havia conhecido  comigo o catolicismo e compreendido que os (pré) conceitos que tinha eram frutos de visões parciais e equivocadas, recebidas de quem nada conhecia dessa religiosidade.
Recém casados, eu acordava com seu beijo e sentia  sua saída  para trabalhar, deixando apenas seu perfume e a saudade, que ficavam comigo até que nos reencontrássemos, o que às vezes só ocorria tarde da noite.
Enfrentamos os desafios de uma vida em comum. Choramos juntos, gargalhamos juntos, refletimos juntos, oramos juntos.
Passados os anos e vencidas as dificuldades naturais, com a graça de Deus, fez-se mãe. Veio a Isabela, também não sem esforço. A mancha de sangue anunciava a possibilidade de um aborto espontâneo... Ela desmaiando no banho, enquanto preparávamos a ida ao hospital... Naqueles meses, eu me tornei mais homem do que tinha conseguido a vida toda. Ela também evoluiu muito naquelas horas infinitas em que, deitada, aguardava nossa filha.
Anos depois, novo susto, para que o João Pedro pudesse integrar nosso time, mas foi coisa pouca perto do que já tínhamos vivido. Ela estava muito mais forte, na fé e na sabedoria.
Assim, juntos, temos atravessado o tempo e superado os desafios, rumo aos dezessete anos de vida matrimonial.
Completa agora, dia 24 de Junho, 40 anos de idade, e só tomo a liberdade de dizer isso em público porque a conheço suficientemente para saber que não é mulher de ficar escondendo a idade, pois  não precisa disso. Se fosse esse tipo, certamente não seria a minha esposa.
Outra coisa que me fascina nela é a capacidade de estar sempre atenta à realidade, enxergando para além das superficialidades, bem assim de ser fiel ao que acredita, aceitando as consequências de tudo. As pessoas  que a conhecem de perto sabem do que eu digo e de como ela é fiel às suas convicções pessoais.
Num opção sua, que é claro contou com meu apoio, preferiu dedicar-se por enquanto inteiramente à nossa casa e aos nossos filhos, algo cada vez mais incomum hoje em dia, na medida em que a mulher é cada vez mais pressionada socialmente a ter uma carreira profissional, cujo custo familiar ainda não foi adequadamente mensurado, mesmo que seja para manter a aparência de "mulher moderna". Curioso é que as pessoas que não nos conhecem de perto pensam que temos uma vida abastada financeiramente. Não veem ou não querem ver que a opção da Leila em favor de nossa família só é possível porque aceitou viver de forma mais modesta,  não obstante o preconceito de algumas pessoas.
Acho curioso como, com o passar dos anos, muitas das conclusões que tiramos dos fatos que nos rodeiam acontecem simultaneamente. Isso confirma o "eles serão uma só carne" (Gen 2, 24).
Em minhas orações agradeço sempre a Deus e peço a Ele que lhe dê saúde e sabedoria.
A ela digo que meu vocabulário é muito pobre para expressar a gratidão por ser "mão segura a me ajudar a andar" durante todos esses anos, nos momentos alegres e nos momentos difíceis, e por ser voz e presença  humana de Deus na minha vida e na vida de nossos filhos.
Leila, PARABÉNS PELO SEU ANIVERSÁRIO.