O regresso

Olhando as últimas estrelas do céu enquanto caminhava, ele conseguia esquecer a fome que apertava seu estômago, a mesma que o fizera  amadurecer o raciocínio que o levara a regressar.
O começo, depois que recebera sua parte da herança, fora tão bom quanto fugaz, mas a certeza de que sua autossuficiência seria capaz de reverter o quadro de decadência impediu-o completamente de perceber a ruína iminente, mesmo diante da crise que se abatera sobre a região.  
Num primeiro momento, o contato com a lama misturada com os excrementos gerou uma ânsia instantânea, mas a convivência diária com aqueles animais foi, parodoxalmente, o fogo que purificou seu coração e sua mente, servindo de fonte de reflexão e aprendizado. Antes disso, o orgulho era uma barreira intransponível e pensar em voltar era algo que não cogitava.
Ao perceber que o cheiro fétido do lugar contrastava com o desejo louco de comer aquelas vagens atiradas aos porcos e que lhe eram negadas, ele aceitara o retorno como a melhor, senão a única opção restante. Todavia, a fome apenas apressou a compreensão inexorável: com sua família, o pouco era tudo e o mais não importava, nem mesmo a possibilidade de recusa da proposta que faria.
Naquele contexto passaram a fazer sentido as longas conversas em família, as advertências do pai quando era menino e fazia alguma coisa errada, a insistência do velho para que ele cumprisse sempre com suas obrigações, bem como as lições de humildade que sua mãe dava por meio de seu exemplo de vida. Até a incansável dedicação do irmão em seguir os passos do pai, levantando cedo para trabalhar e abrindo mão de incontáveis oportunidades de ir a festas no mais das vezes fúteis e desprovidas de razão, mostrava-se correta. 
Além de tudo isso, como que um laço a finalizar um pacote, a saudade que sentia de todos eles apertava seu peito com tanta força que fazia lágrimas escorrerem.
Uma única pergunta ainda ecoava em sua mente: porque havia demorado tanto tempo para perceber que a bondade dos seus era o que valia a pena realmente, e não a riqueza consumível?
Ele ainda caminhava, quando a luz do sol acabava de invadir a terra e a corrida de seu pai na sua direção permitia a conclusão aliviadora: o perdão seria dado e, ao menos como empregado, ele seria aceito de volta, apesar de tudo.

(Inspirado em S. Lucas 15 e dedicado a todos que tiveram a oportunidade de pedir ou de conceder o perdão.)

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