Aventura ígnea

O silêncio daquele motor não lembrava em nada o barulho que faziam o Fusca vermelho e a Belina bege, os dois carros que meu pai tinha na época. O primeiro para os vários deslocamentos que ele fazia às propriedades rurais locais e a segunda para  nossos passeios. Mas ali, dentro do carro do Prefeito, um Scort, além de estar deliciado por andar em um veículo novo, eu aguardava ansioso o retorno a Nova Cantu.
Não me lembro como foi o convite, porém sei que aceitei ir a Campo Mourão-PR para uma solenidade da Semana da Pátria, onde buscaríamos uma espécie de "tocha olímpica", cujo fogo acenderia uma pira, em  Nova Cantu, na comemoração cívica.
Para falar a verdade, também não me lembro em quantos fomos no carro, a não ser eu, o Prefeito Walmick Pereira e um de seus assessores. Tenho registro de que, no final da empreitada, estavam, além de nós, a Rosângela, o Jocimar e a Valneide, todos adolescentes amigos meus.
Em Campo Mourão, as equipes estavam todas de agasalho e nós, na maior humildade, trajávamos o único uniforme possível, ou seja, o mesmo que tinha sido confeccionado para as equipes de handebol nos Jogos Escolares ocorridos no primeiro semestre de 1985, que faziam as meninas morrerem de vergonha pela transparência.
Colocadas de lado as diferenças, lá estávamos nós, orgulhosos, recebendo e repassando a tal tocha.
Concluído o percurso, rumamos para Nova Cantu, com a chama transferida para um lampião a querosene, coisa que hoje daria motivo para muita confusão. De fato, imagine um lampiãozinho acesso dentro de um veículo em movimento numa rodovia sendo abordado por policiais rodoviários...
O plano era que, na entrada da cidade, o "Fogo da Pátria" acendesse a tocha, que levaríamos imponentes, de mão em mão,  até a pira, na praça da Matriz.
No limite das áreas urbana e rural, o veículo parou. Como fazia aquele "tempinho" típico de início de setembro, seria uma operação delicada acender a tocha; no entanto, não sucumbiríamos assim tão fácil, principalmente na iminência da glória.
Descemos do carro e os dois adultos partiram para a transferência ígnea e nós adolescentes fizemos um semicírculo.
No desenrolar dos fatos, um daqueles ventos moleques e abusados, querendo estragar a cerimônia, esgueirou-se por entre nós e simplesmente... em termos atuais, deletou, a chama patriótica antes de finalizada a operação.
Os segundos transformaram-se em minutos e o tempo parece ter sido congelado naquele instante. Na minha inocente cabeça imaginei os pobres munícipes frustrados e cabisbaixos ao receberem a notícia de que, ao invés da parada cívica, teriam o cortejo fúnebre da extinta flama.
No entanto, naqueles mesmos segundos, um dos adultos, numa atitude quase que mais veloz do que o próprio vento, sacou de um isqueiro e, na imponência de quem dominava ao menos um dos quatro elementos, deu vida nova à tocha.
- "Bora gente, que tá todo mundo esperando!"
E lá fomos nós, na glória interiorana, acender a pira...
Valneide, eu, Rosângela e Jocimar

Comentários

NEUZA disse…
OLÁ WELLINGTON

MUITO INTERESSANTE, ME FEZ RIR.

TEMPO QUE NÃO VOLTA MAIS.

CONTINUE SUA HISTÓRIA, POIS É LEGAL LÊ-LA.