A missão

Eu, em mais um desfile cívico.
Nova Cantu, data incerta.
Acredito que de fins de 1984.
Eu parecia estar surdo, pois a dor não permitia que as muitas vozes que ecoavam à minha volta recebessem resposta do cérebro. Entre um misto de perplexidade e desespero, eu certamente não pensei em tudo que vivera até ali. 
Se o ano anterior havia sido de conquistas, 1985 não havia sido diferente; afinal, cada vez mais novas portas precisavam ser abertas, especialmente por um jovem tímido do interior.
O ano começou com novos ares na política. Tancredo de Almeida Neves, foi eleito, em 15 de janeiro, Presidente do Brasil. Embora meu interesse por política fosse reduzido, ele ganhara minha simpatia na campanha eleitoral para governador de Minas Gerais em 1982 e era nascido na bela cidade de São João Del Rei, a qual tantas vezes visitei enquanto morava naquele Estado. Sua vitória foi aclamada pela população, mas ainda pelo voto indireto, tendo em vista a rejeição da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, no ano anterior.
Além disso, no alvorecer da minha inocente juventude, acompanhei pela televisão parte do Rock in Rio, que aconteceu entre 11 e 20 de janeiro daquele ano. Hoje um festival assim não me atrai, tanto que nada sei sobre o de 2011, mas naquela época...

Nesse clima, logo que iniciaram as aulas da 8ª. Série do Colégio Estadual Professor João Farias da Costa em Nova Cantu-PR, já começava a ganhar o topo das "paradas de sucesso" a música We are the world, gravada com apelos humanitários, embora pouco tenha influenciado na minha consciência global, perdida numa explosão de espinhas.
A mudança para o período noturno, lançou-me num universo mais maduro, onde já não imperavam as correrias do período matutino, mas as conversas.
Muitos dos amigos da 7ª. Série estavam comigo, outros não me lembro. Sei que na 8ª Série fiz amizade com um jovem chamado José J. Bueno, conhecido mesmo por "Ziquinha" e com seu irmão, mais velho, de nome João Maria Bueno Sobrinho, o "Nenzão". A partir da amizade da turma, inclusive com o Valter (Santos), o Juarez (Voroniuc),  a Liliana (Sobieray), que chegara na cidade naquele ano, a Ângela (Fontana), a Telma, conheci muitos outros jovens de lá, entre eles, a Rosângela, a Wandira, o Pelé, o William e seu irmão (de quem não me recordo do nome, infelizmente - depois que publiquei a Ângela  lembrou-me que o nome é Clodoaldo), a Simone, o Jocimar, as irmãs Furlaneto (Márcia?) e tantos outros.
Assim, em meio às especulações sobre o que de fato acontecera com o presidente eleito, cuja posse foi impedida na véspera porque teria ficado doente, em março daquele ano, vindo a falecer 39 dias após, vítima, oficialmente, de uma diverticulite, eu seguia aumentanto o círculo de novas amizades, o que também era impulsionado pela frequência à piscina do clube local, inaugurada, penso, em fins do ano anterior.
Um dos fatores que contribuíram muito para a minha socialização foi o esporte. Curiosamente, não o futebol e nem o vôlei.
Naquele ano, começou a lecionar em Nova Cantu um professor de nome Edno, vindo, se bem me lembro, de Arapongas. Ele lecionava educação física e havia jogado handebol, um esporte pouco conhecido na cidade, mas com o qual eu havia tomado um contato inicial em Minas. O professor então assumiu a preparação de um grupo de alunos para participar dos Jogos Escolares daquele ano, em Campo Mourão-PR, com o auxílio de outro professor, de nome Hideki. Nesse desiderato, reuniu vários jovens para um teste e acabei sendo qualificado para, digamos, a missão. Seria um desafio para todo mundo aprender os fundamentos do esporte e atingir maturidade suficiente para ganhar ao menos uma partida. Uma espécie de "Jamaica Abaixo de Zero".
Focados no objetivo, após o período de aulas, rumávamos para a quadra de esportes do município e, já tarde da noite, treinávamos juntamente com a equipe feminina. Não sei quanto tempo durou, mas nos sentimos os próprios astronautas em preparação para um vôo inédito. Até carteira de identidade tive que tirar, pois nem isso possuía.
Sentido-me importante e confiante, afinal era a primeira vez que eu deixava meus pais para uma empreitada sozinho, fui para Campo Mourão, cheio de esperança.
O clima dos jogos marcou não só aquele primeiro semestre, mas também minha adolescência. O intercâmbio com jovens de outras cidades, a cerimônia de abertura, as idas e vindas ao alojamento, a necessidade de autosuficiência e autocuidado, contribuíram positivamente para meu crescimento.
Quanto ao desempenho da equipe, infelizmente sentimos a falta de experiência. As outras equipes, especialmente as das cidades maiores, tinham gritos de guerra ensaiadinhos, ônibus em melhor estado, agasalhos com o nome da cidade bordado (uau!), enquanto nós, pioneiros na coisa, tínhamos apenas a certeza de que nos destacaríamos pela valentia. Bem, não foi exatamente da forma como imaginamos...
As equipes adversárias tinham mais experiência e um volume de jogo muito maior. Não me lembro dos placares, contudo, o fato é que sucumbimos a cada partida por diferenças consideráveis. "Euzinho", que havia até ido bem nos treinos, sumia na quadra, ficava nervoso e deixava a bola escapar. A experiência de jogar já de cara em um ginásio coberto, coisa que nunca havia feito, abalou o jovenzinho. Senti a pressão. Não consegui render nem o que eu mesmo esperava, quando mais os outros.
Tudo bem. Concluída a experiência, todos nós voltamos para casa um pouco mais adultos. Nisso, Colégio, especialmente na pessoa dos professores Edno e Hideki, e Poder Público, na pessoa do então Prefeito, Walmick Pereira, cumpriram seus papéis.
Quando retornamos, acredito, já começava a reinar para valer na televisão a trama da novela "A Gata Comeu", das 18 horas. Há uns dez anos não vemos novelas em nossa família, optamos por oferecer coisas melhores a nossos filhos, especialmente mais horas de convívio, e nem me lembro, a bem da verdade, do que se tratava o enredo daquela, porém engolia a janta em frente à televisão antes de sair correndo para as aulas. De qualquer forma, as duas trilhas sonoras (nacional e internacional) da novela ajudaram a embalar nossas conversas juvenis naquele ano.
Sobre a dor? Fica para outra postagem, em breve, para não cansar...

Comentários

Liliana Sobieray disse…
Mais memórias... mais saudade... mais risadas... Obrigada amigo querido! Bjoks
Marcos Boggo disse…
Meu amigo, que história hein?!rss
Grandes lembranças, ótima memória, confesso não ter esse dom.
E a propósito, ficou bem na foto..rss
É sempre bom visitar seu blog.
Abraço.
Walmick Junior disse…
Muito bom, temos um paralelo gigante no passado, conheço todas as pessoas citadas, meu pai (Walmick) meu sogro (Hideki) e grandes amigos, como os irmãos Bueno.
Lembrar o passado sustenta os valores da nossa formação.
Parabens