Em greve! Mas gosto mesmo é de trabalhar.

Até no STF (para amplicar, clique na imagem)
Eu ouvi a campainha tocar e instintivamente pensei: "É para mim e é agora!"
Era o segundo semestre do ano de 1998. Eu e a Leila precisamos morar com meus pais acerca de um ano e meio antes. Tempos financeiros difíceis, precisávamos de uma saída que aliviasse uma espera angustiante: a de ter a chance de prosseguir trabalhando com direito e sustentar a família constituída já há quatro anos. Os concursos, como hoje, demandavam um investimento cada vez mais alto. De escassos possíveis, o de Analista Judiciário era uma opção que me permitiria ficar em Maringá.
No final dos anos 90
Quando vi o carteiro, a certeza parecia ainda maior. Ele disse meu nome e perguntou se morava ali. Após a confirmação, pediu que assinasse o telegrama e saiu pedalando sua inconfundível bicicleta. Olhei o remente: "Tribunal Regional Federal da 4ª Região". Não precisava ler o resto para ter a certeza do conteúdo que interessava.
Os parentes e amigos que acompanhavam a espera e a dedicação reconheciam que eu fizera jus à conquista e todos me apoiaram e felicitaram.
Tomei posse e entrei em exercício no dia 9 de dezembro de 1998. Jamais imaginaria, mesmo depois de outros Planos de Cargos e Salários ao longos dos anos, especialmente de 2002 e 2006, que a carreira seria desvalorizada, aviltada, a ponto de ser levada a um esquecimento de 9 anos sem recomposição salarial, tudo porque o Poder Executivo, infelizmente com a aquiescência da cúpula do Poder Judiciário, posterga indefinidamente a efetivação de um direito previsto na Constituição Federal: a revisão anual dos vencimentos da categoria.
Absurdo pensar que, embora nossa atividade esteja diretamente ligada a uma das funções estatais básicas, assessorando o Poder Judiciário na difícil tarefa de solucionar as controvérsias surgidas na aplicação da Lei, sejamos assim tratados. 
De fato, no dia-a-dia, os servidores do Poder Judiciário da União, de qualquer uma das carreiras (analistas, técnicos, agentes de segurança, oficiais de justiça, etc.) são chamados a uma colaboração que supera em muito o mero cumprimento da ordem judicial. Quisera Deus a emissão e o cumprimento de ordem judicial fossem assim tão simples! Em nossa luta diária, para contribuir de fato com a Justiça, necessariamente temos que ir além da pressa administrativa (não eficiência!), do despreparo de muitos advogados e do comodismo de outros tantos procuradores que, espero somente por força das prerrogativas inerentes à defesa do Interesse Público, apresentam contestações sofríveis, que muitas vezes nem sequer abordam o caso concreto.
Um parcela da população e o Poder Executivo, porém, nos tratam como os "funcionários públicos" de longínquos tempos, que nada faziam e tinham salários e prestígios invejáveis, estando acima da própria Lei e que, por isso, merecemos um achatamento salarial sem precedentes, como este que tentamos reverter.
Nós, servidores do Poder Judiciário da União, enfrentamos uma guerra suja com a mídia paga pelo governo, a qual dissemina boatos mascarados fatos e que expõe uma verdade manipulada de variadas formas.
A peleja é tão ingrata que até mesmo pessoas de nossa convivência e até as que torciam por nós no momento do concurso, passam a nos ignorar e olhar como se fôssemos os responsáveis pela dilapidação do Erário, esquecendo-se de que isso é fruto da má gestão, levada a efeito com finalidade meramente eleitoreira, e da corrupção, câncer enraizado inclusive na mais alta cúpula Administração Pública Federal, que corrói a eficiência ao privar de recursos atividades essenciais do serviço público. 
Se a vitória, contudo, depois de praticamente três meses, no caso de cidades do Paraná como Maringá, Curitiba e Londrina, ainda permanece uma incógnita após o ignóbil veto presidencial, tenho certeza de que as pessoas que integram o movimento mostraram nele o seu valor e sua disposição para a luta. 
Nesse período, vi servidores superarem seu medo de aderir à greve, talvez impulsionados por aqueles recentes e inúmeros escândalos de corrupção, bem assim pela atitude intransigente de um partido nomeado "dos Trabalhadores" que, como nunca, fez valer o dito "Em casa de ferreiro, o espeto é de pau".
Com minha lutadora família.
O cume dessa atitude foi o veto integral ao projeto de lei ordinária, PLC n.. 28/2015 (número recebido no Senado Federal), enviado pelo Supremo Tribunal Federal, que detém a iniciativa privativa da matéria, conforme arts. 37, X, e 96, II, b, da Constituição Federal.
Nossa oprimida categoria usa de todas as armas possíveis para tentar esclarecer a população e obter o apoio de Parlamentares para que esse Veto (n. 26) seja derrubado pelo Congresso Nacional, tais como visitas pessoais, participações em programas de rádio, inúmeros "ganchos" em transmissões televisivas "ao vivo" de jornais e eventos esportivos, o famoso "papagaio-de-pirata", e até mesmo a utilização das redes sociais, que servidores antes reticentes acabaram por aderir. Juntos aprendemos o significado da expressão "militância digital". 
Impressionante ainda ver colegas como eu, já de "barbas brancas", saindo de sua área de conforto e participando de passeatas e debates em prol desse convencimento. 
No gabinete de um dos deputados (Luiz Nishimori) 
Nesse desiderato, desloquei-me, com ajuda financeira de colegas servidores, com um grupo de Maringá, até a Capital Federal.
Em Brasília, pela Derrubada do Veto
Em Brasília, contribuímos com um trabalho difícil e, para nós, inédito de visitar gabinetes de deputados federais. 
Valeu a pena porque, representando nossa categoria, pudemos vivenciar um momento magnífico, inspirador e emocionante, com a presença de milhares de servidores de todo o Brasil (sim, milhares, a despeito do completo silêncio da grande mídia!), que deixaram suas famílias, arcando com um custo jamais ressarcível, e possibilitaram manter acesa a chama da esperança até a próxima sessão do Congresso Nacional.
Salvo um ou outro excesso, posso dizer que nossa categoria está dando ao Brasil um exemplo de civismo e cidadania. 
Viver esses momentos, ainda mais com colegas de elevada consciência como Tom Gouveia, Marcelo Santos, Regina Gondo, Elaine Sandri, Fernando Veríssimo Neves, Simone Demori, Júlio Dalton Ribeiro, Renato Sasaki, proporcionou-me crescimento ímpar não só como servidor público, mas também como homem e pai de família.
Estar em greve é uma situação que não agrada a nenhum de nós; fomos forçados a adotar tal medida. Gostamos mesmo é de trabalhar, a fim de que a Justiça chegue aos que dela precisam e que isso aconteça no menor tempo possível, mas, como qualquer ser humano, precisamos que seja respeitada a nossa dignidade.

Comentários

Marcelo Santos disse…
A honra de participar desse momento histórico em Brasília ao seu lado e ao lado dessa galera toda foi minha.

Tenho certeza que a solidez de pensamento e conduta suas durante todo esse tempo de greve foram essenciais para termos conquistado as vitórias que obtivemos ate aqui.

É uma pena vivermos num país em que a informação é sordidamente manipulada e nós tenhamos que dia a dia enfrentar insultos da população a quem tanto ajudamos.

Mas tudo isso não há de ser nada no final, pois a vitória se aproxima e nosso inimigo só conseguiu uma coisa: nos tornar mais fortes.

Sigamos em frente! Parabéns amigo, por essa luta!!
Amigo, o mero "lutar" já nos faria vitoriosos, mas lutar ao lado de pessoas com a envergadura moral e a consciência de categoria de vocês muito me engrandeceu como ser humano. Um forte abraço e obrigado pela visita ao Blog.