O ritual

 R. Alfeneiros, em imagem antiga.
Naquela esquina em Cascavel fomos acostumados a deixar fluir a alegria do reencontro ou a tristeza da despedida, como fazíamos nos outros locais. A diferença é que ali o ritual vem sendo repetido há muito mais tempo. Ele surgiu de forma espontânea, partindo da ansiedade natural dos que aguardavam a chegada ou a partida dos entes queridos.
As lembranças mais antigas (e nítidas) que tenho disso  remontam à época em que meus avós moravam em Cianorte-PR, num imóvel de fundos, localizado na Avenida Brasil, próximo à Rodoviária da cidade. De longe, procurávamos enxergar de dentro do carro se havia alguém a nos esperar (e sempre havia) naquela excitação própria das crianças em qualquer viagem, mas especialmente quando aguardam o aconchego descompromissado dos avós e tios, naquele clima que já descrevi. A visão dos familiares na calçada da frente era suficiente para gritos e acenos, despertando a retribuição imediata dos que nos aguardavam. Não foram raras as vezes em que irrompessem acenos, assobios e outras manifestações fervorosas quando nem mesmo tínhamos visualisado a recepção. Talvez nisto resida a resposta acerca do porquê do contentamento que aquilo provocava: nos alçava à condição de celebridades... ao menos até que os próximos parentes fossem chegando ou indo embora, afinal, todos tinham direito ao ritual e aos seus minutos de "fama".
Na partida, apesar das diferenças e divergências naturais, o clima de alegria pelos momentos de convivência prevalecia, embora algumas lágrimas traíssem a intenção de conter a dor da separação, e lá íamos nós acenando ao longe enquanto observávamos quem tinha sido persistente em permanecer até o desaparecimento do veículo.
Quando minha avó Conceição mudou-se para Cascavel-PR, havíamos retornado em fins de 1983 de nossa epopeia mineira e o ritual transferiu-se para a Rua Alfeneiros, onde, da calçada da frente de sua casa, era possível avistar as chegadas e partidas, tendo em vista que ainda não existia o Salão Comunitário do Parque Verde, que ora obriga a todos a se contentarem apenas com a visão até a esquina daquela rua com a Rua Álamo.
Nesse mesmo local, começamos a levar a Leila conosco após alguns anos de namoro, com o consentimento dos pais dela é claro, e ela foi iniciada no ritual...
O tempo passou e agora na condição de pai sinto o mesmo alvoroço que os meus pais sentiam comigo e meu irmão naquelas viagens. Apesar da ausência física da Vó, tudo prossegue como era antes, o que permite sentir o calor da saudosa matriarca.
Na simplicidade em que fui criado, os passeios que mais me revigoram em menor tempo de estadia continuam sendo ao antigo endereço da minha Vó, agora atribuído à tia Dete. Ela dá continuidade ao acolhimento de sempre e mesmo que ali eu não esteja  hospedado, o ritual prossegue, o que pude comprovar mais uma vez nestas férias, quando, na partida, observávamos os acenos de dentro do carro
Nós e a família da Lilian
Com as facilidades de crédito modernas a abrirem infinitas possibilidades de viagens para lugares mais glamourosos, muitos já não veem as casas  dos avós (ou outros familiares) como uma opção adequada para passeios. Com isso, perdem a própria história e a chance de estreitarem e manterem os laços de família verdadeiros.
Agora em Cascavel moram também minha cunhada Lilian, seu esposo Paulo e seus filhos Gustavo Henrique e Giovanna, que nos receberam muito bem... 
O ritual multiplica-se.

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