Fim de jogo


Há muito não jogo futebol. Na verdade, jogar, jogar mesmo eu nunca joguei, apenas "brinquei" como qualquer moleque brasileiro, afinal, era o que sobrava para fazer, considerando as pouquíssimas opções de prática esportiva que tínhamos. Mas valia a pena. Com o passar dos anos, a falta de jeito para a coisa e o peso da idade foram impondo-se e achei mais prudente deixar de lado.
Lembro-me, contudo, que ficávamos exaustos aos finais das "peladas", fossem de "futsal", cuja bola ainda era daquela pesada, ou de "futebol suíço". Parecia que nunca mais iria desejar jogar novamente. Apesar da satisfação, principalmente quando o time ganhava, no final sobrava uma sensação de cansaço e uma enorme vontade de tomar um banho e ficar quieto, sem fazer mais nada. Depois, o cansaço passava e lá vinha novamente a vontade de "bater uma bolinha"...
De forma semelhante, sinto isso em relação às atividades cotidianas, ao trabalho e às atividades na igreja, quando chega o final do ano.Vou razoavelmente bem até final de outubro. Depois, começa a pesar-me tudo. Na verdade, detesto como as coisas tornam-se urgentes no final de ano. Parece que só se teve os dois últimos meses e que tudo ficou para a última hora. No meu trabalho, as ações judiciais despencam feito fruta "passada" e toda a sorte de pedidos que não eram urgentes, acabam sendo rotulados como tal. Lembro-me de frase célebre estampada em algumas repartições públicas definindo urgente como "aquilo que você não fez na hora em que devia e quer que eu faça correndo", com a qual sou obrigado a concordar na maioria das vezes, sem deixar de cumprir com minhas obrigações, até porque acredito na instituição que represento e gosto muito do meu trabalho.
A verdade é que não vejo a hora do final da areia escorrer logo e outra "folhinha" ser inaugurada. Nem é a questão de ficar de folga muitos dias. Bastariam os feriados de natal e reveillon. O só fato de "virar" o marcador sempre me trouxe novo "gás".
É um ritual ao qual me acostumei. Talvez porque desde pequeno vivíamos em nossa casa a expectativa de reencontrar familiares, especialmente durante um período em que moramos muito longe de nossas origens. Nessa época, fazíamos qualquer sacrifício para estarmos juntos na virada, rezando em família e, após, cumprimentando-nos ao som de "Marcas do que se foi" (Os Incríveis), com o cheiro de assado ainda impregnando nossas narinas. Coisas singelas, sem nenhum glamour, condizentes com as nossas humildes condições, mas que jogaram luzes no que sou.  Nas lágrimas incontidas, escorríamos as mortes, os nascimentos, as doenças, as alegrias, as conquistas, as expectativas, as mágoas, os perdões, enquanto os fogos pipocavam no céu. Isso perdura até hoje. Acredito que muitas famílias tiveram e têm ritual semelhante, talvez um pouco mais farto ou um pouco mais "magro", e creio que muitas pessoas equilibradas de hoje são frutos desses momentos em família. Tento levar isso adiante com os meus filhos e evito viajar ou buscar outros programas nesses dias.
O engraçado é que tal expectativa de que o ano acabe de uma vez parece mesmo acelerar o tempo. Quem sabe não seja por isso que meus cabelos embranquecem tão rapidamente?
Pode ser ainda que se trate de mera esperança de que tudo melhore, por mais legal que tenha sido o ano que se finda. Com o principiar de um novo ano, somos forçadamente chamados a renovar a nossa sanidade mental e a seguir adiante, com os olhos para o futuro.

Comentários

Anônimo disse…
Wellington, parece que vc está falando do meu estado neste momento... sinto que a "pilha está acabando"!!!!! rs rs rs