Varandas

Na nossa casa atual não há varanda. Não no sentido clássico, pois usamos a garagem como uma, de vez em enquando, para que a família possa conviver um pouco ali.
Lembro-me das varandas existentes onde morávamos. Quantas vezes minha mãe não ficava descansando das tarefas de casa e, ao mesmo tempo, eu e meu irmão brincávamos aguardando o pai chegar do serviço...
Nos momentos em que visitávamos os avós paternos e maternos, sempre havia uma varanda onde, com os tios, tias e outros parentes e amigos, havia muita conversa.
Infelizmente, por ter perdido cedo minha avó Maria, tenho poucas (embora boas!) recordações da varanda da casa dos avós paternos. Com a partida dela, e como não haviam mais filhos solteiros, meu avô Flausino, passou a residir um pouco com cada filho, vindo a falecer anos depois na casa de meus próprios pais.
Já na casa dos avós maternos, pude conviver um pouco mais. Na última casa de minha avó Conceição em  Cianorte-PR, havia uma varanda em que meu avô Antonio ("Tonico") plantou uma árvore bem em frente. Era uma casa simples, de madeira, localizada nos fundos do quintal, num bairro à época afastado, quase isolado, muito diferente do que é hoje em dia ali nas proximidades da Praça Francisco Kano. Certa vez, como o número de presentes aumentaria muito, o vovô Tonico improvisou mais um quarto. Aproveitando-se de um dos cantos da varanda, colocou uma lona em volta e uma porta. Não ficou nada agradável aos olhos, mas todos apoiaram a iniciativa do velhinho, apesar do calor que fazia ali dentro.
Naquela varanda, muitas vezes pude ver o vovô sentado, quieto (como era de sua personalidade), olhando as crianças brincarem. Ali, ele suspirava, sonhando com uma pescariazinha que tanto adorava, enquanto a família toda não se ajuntava para conversar após as refeições. Lavada a louça, especialmente a do jantar, quando nada mais havia para fazer, aproximavam-se as tias e os tios e a conversa rolava solta enquanto a brisa suave amenizava o calor do verão, até o sono bater.
Curioso como aqueles momentos de apenas aparente lazer também serviam para forjar personalidades, depurar relacionamentos e aparar as arestas das diferenças. Isso nem sempre era fácil. Os espinhos de um acabavam espetando outros... e pronto, era necessário certo tempo para os ânimos se acalmarem. Felizmente sempre existem pessoas mais ponderadas, que, trazendo tudo para um plano mais racional, ajudam na recomposição das relações. Assim, logo tudo voltava aos trilhos e, ao final, na volta para casa, sobressaía sempre a vontade de retornar, ficando de lado as discordâncias.
Na varanda, também eram compartilhados os sonhos e projetos de vida para o futuro, bem assim as conquistas.
Tenho convicção de que as varandas causam esses mesmos efeitos em todas as famílias, permitindo essa convivência saudável. Talvez seja por isso que não me agrada a ideia de morar em apartamento.
 Um episódio em particular até hoje rende lembranças e risadas familiares. Acho que o vovô já tinha até falecido. Fazia um calor insuportável em Cianorte e meus tios resolveram, no início da tarde, montar e encher a piscina de lona de meu primo Allan, justamente na frente da varanda, embaixo da árvore. Com isso, certamente, a criançada daria um pouco de sossego durante toda a tarde. Ademais, há quase trinta anos, aquilo era um luxo para as nossas condições. Contudo, não havia nem cinco minutos que estávamos lá dentro, resolvi vir correndo pela varanda e pular na piscina. A ação mal calculada de moleque fez-me escorregar e, ao cair lá dentro, abrir um rasgo por toda uma lateral da piscina. Não demoram dez segundos para que, aos olhos arrelagados dos presentes, a água se esvaísse completamente e, junto com ela, a expectativa de diversão para as crianças e de um pouco de paz para os adultos.
Aproveitando-me da perplexidade dos presentes, saí de "fininho" e perambulei pela cidade, voltando apenas ao final da tarde, com medo da represália pela atitude. Encontrei os coitados dos tios na maior calma, remendando a tal piscina com cola de PVC. Quando me viram, disseram que não era nada e que esquecesse aquilo. Tomei uma única bronca, da minha mãe, por ter desaparecido aquelas horas sem informar o paradeiro.
 A varanda da casa da vó, em Cianorte.

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