Sob o império do "Tempo"

"1.Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus: 
2.Tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar, e tempo para arrancar o que foi plantado; 
3.Tempo para matar, e tempo para sarar; tempo para demolir, e tempo para construir; 
4.Tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar; 
5.Tempo para atirar pedras, e tempo para ajuntá-las; tempo para dar abraços, e tempo para apartar-se. 
6.Tempo para procurar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para jogar fora; 
7.Tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar; 
8.Tempo para amar, e tempo para odiar; tempo para a guerra, e tempo para a paz."
(Eclesiastes 3)

Tempo. Tem-po. T.e.m.p.o. Domina-se? Não, apenas se vive o de cada coisa. Há o "chronos" e o "kairos".
Certa vez, dois irmãos brincavam com uma "motoca" (ou triciclo, velocípede) na calçada próxima de sua casa. Na pequena descida riam e se divertiam, com o mais velho correndo atrás do mais novo. Na subida, o mais velho empurrava o mais novo e começavam tudo de novo. Lá pelas tantas,  com os dois empolgados, o mais velho resolveu imprimir maior velocidade ao brinquedo. O mais novo, inocente e distraído, deixou que o pé se enroscasse na roda traseira, o que abriu um ferimento no dedo grande de um dos pés (hálux). Sem titubear, o mais velho correu com o mais novo nas costas até a casa, a fim de minimizar o estrago que ele, por ser mais velho, deveria ter evitado. Lá chegando, a mãe cuidou do mais novo e compreendeu que tudo não passava de coisa de criança. As coisas se resolveram naturalmente. 
Os vários momentos de riso passaram rapidamente, mas os breves momentos de dor e insegurança pareceram infinitos. Era o império do "chronos".
O fato é que, se não podemos prolongar os momentos de alegria, só nos resta vivê-los intensa e conscientemente. Na velocidade de cada segundo, podemos encontrar a chave da felicidade futura.
Porém, não construímos a vida apenas com momentos felizes. Essa verdade também é incômoda. Dói. Os momentos difíceis espraiam-se ao longo da nossa existência e se misturam aos de alegria, de forma que quase não podemos fazer separação. 
Muitas vezes o ser humano deixa uma névoa cobrir tudo e, na confusão, pensa que pode transformar os momentos difíceis em felizes sem esforço. Foge das horas penosas, sem se dar conta de que isso só complicará a situação.
O sofrimento, o pior dos sofrimentos, contudo, pode nos tornar melhores e nos mostrar o real caminho da felicidade, apesar de tudo. Não digo que devemos procurar o sofrimento. Contudo, uma vez na correnteza, a alternativa é continuar nadando, de cabeça o quanto possível erguida, em busca da margem segura. Aqui sentiremos o "kairos".
Ao menino mais velho, no fato descrito anteriormente, não restou outra alternativa: carregar o irmão e pedir ajuda. Talvez o instinto e a razão tenham coincidido naqueles instantes, não se sabe. Fato é que quando as coisas vão mal, temos que aceitar o sofrimento, fazer o que tiver ao nosso alcance e seguir adiante.
Se provocamos o sofrimento ou não, temos que buscar o horizonte  e fazer o que for possível para recompor a situação de paz interior, dentro do que estiver ao nosso alcance.
Todos sabemos que isso exige mudança de atitude, afinal, não se obtém prato diferente com a mesma receita. Eis aí o novo nascimento referido por Jesus Cristo no Evangelho, que nos permitirá ver o Reino de Deus, mas aqui na Terra mesmo ("Jesus replicou-lhe: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus." - São João 3,3). 
O importante é começar enquanto há tempo, ou seja, agora. Como já se disse, 'O Ontem é história. O Amanhã é mistério e O HOJE é uma dádiva. Por isso se chama "Presente"'.  
Gosto também de uma outra descrição, esta disponível em diversos sites e blogs, que ilustra bem esse contexto ao qual me refiro:  

"Uma ostra que não foi ferida não produz pérolas"...
 As pérolas são feridas curadas, pérolas são produtos da dor, resultados da entrada de uma substância estranha ou indesejável no interior da ostra, como um parasita ou um grão de areia. A parte interna da concha de uma ostra é uma substância lustrosa chamada nácar. Quando um grão de areia a penetra, as células do nácar começam a trabalhar e cobrem o grão de areia com camadas e mais camadas, para proteger o corpo indefeso da ostra. Como resultado, uma linda pérola é formada. Uma ostra que não foi ferida, de algum modo, não produz pérolas, pois a pérola é uma ferida cicatrizada...
Diante disso, embora difícil, que todos nós, hoje, tenhamos a serenidade e a abertura  necessárias para que possamos deixar também o sofrimento nos transformar e contribuir para a felicidade.
Nos momentos difíceis, as horas passam como se fossem anos, mas a pérola não se forma instantaneamente e não devemos querer apressar o resultado: para tudo há um tempo debaixo dos céus. A pérola se formará apenas com paciência.
Em tempo, o menino mais velho na história, que de fato ocorreu, sou eu e o mais novo, meu irmão, Luciano, que já não posso mais carregar.

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