O que será?

Por diversos motivos, fui adiando, mas, tenho que admitir, muito mais por necessidades pessoais, acabei colocando-me à disposição para trabalhar nas eleições, desde a anterior, afinal, cada dia de convocação assegura dispensa do serviço pelo dobro do período. Isso é assegurado pela legislação eleitoral (iniciativa pública ou privada) pelo art. 98 da Lei 9.504/97, embora mesmo assim não seja fácil para todos usufruírem desse direito quando convocados. Fora esse detalhe da folga futura, entretanto, há de fato um grande aprendizado e uma oportunidade única de conhecer a consciência da nação brasileira.
Na primeira ocasião, trabalhei no Cartório Eleitoral, em tarefas bem simples, um dia só. Nesta eleição para prefeitos e vereadores, a Chefe de Cartório necessitou convocar-me para outra função, por um período maior, para atuar em uma Seção Eleitoral específica. E lá fui eu...
Nada a dizer de relevante quanto aos dias preparatórios. Qualquer nacional no gozo dos direitos políticos (votar e ser votado), com um mínimo de desenvoltura e cuidado, realiza as tarefas.
O dia da eleição é que permite algumas constatações que confirmam como, para a maioria, votar é mesmo um peso, não só pela má atuação dos políticos em geral, mas também um alívio, pelo fim da poluição sonora autorizada (quem aguenta o barulho dos carros de som com as musiquinhas ridículas, que tentam menosprezar a inteligência do eleitor - e conseguem exito?) e do intragável horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, estes sim, os grandes vencedores em matéria de bizarrice.
Uma parcela de eleitores, pasmem, chega ao cúmulo de aparecer antes da Seção dar início aos trabalhos, para dar cabo (não cabo eleitoral, se me permitem o trocadilho) de uma vez à tarefa cívica. Com isso, talvez  tenha mais tempo para ir à Igreja (seria ótimo se fosse mesmo por isso) ou para programações domingueiras menos nobres, embora também necessárias, tais como pescar, participar de um churrasco, lavar o carro ou o cachorro, visitar a sogra (que, tecnicamente, muitos não consideram recreação digna de um dia de folga).
Outros eleitores, sem pressa ou necessidade de levantar cedo no domingo, chegam com calma, ainda com cheiro do café com leite do desjejum tardio, arrastando "os chinelos" até chegarem à Seção. Nesse momento, inexoravelmente, cessa toda a paciência se houver mais que dois ou três na fila de acesso e o(a) cidadão(ã) passa a reclamar da demora, do fato de na Seção existir apenas uma única urna, da exigência de um documento oficial com foto (como se não houvesse prévia e farta divulgação disso), das preferências outorgadas a grávidas, idosos, doentes, etc.
Minha prima de Umuarama relatou-me que na Seção em que trabalhou chegaram a xingá-la. Dá para acreditar? A pessoa está ali trabalhando como convocada e outra vai lá para desrespeitá-la. Olha, se fosse comigo eu daria um susto no cidadão, como chamar a PM para prendê-lo (isso é possível sim) ou, melhor ainda, "sugerir" sua convocação para os trabalhos do próximo pleito eleitoral. Fácil, fácil. Assim ele aprenderia pelo menos a ficar quieto e a respeitar os outros.
Engraçado como o silêncio é tão difícil. Acontece que, para muitos, a fila, qualquer que seja, até mesmo a existente para votar, é o próprio divã do analista, onde podem expor suas decepções, alegrias, medos e, principalmente, a raiva de terem que suportar aquele quente corredor de escola para o exercício de seu direito obrigatório de voto.
Nesse contexto, compreende-se por que o povo ainda elege tantas "criaturas estranhas" para os cargos públicos.
Felizmente, vi também pessoas doentes e/ou idosas que teriam motivo mais que suficiente para não irem votar e foram, dando exemplo de civilidade e de humildade, sem reclamar de uma obrigação comum. A esses e a todos os que ainda respeitam o voto como uma oportunidade de mudança e melhoria, rendo minhas homenagens.
Ah, também não poderia deixar de mencionar os dignos fiscais dos partidos, tão interessados e comprometidos em "colaborar" com o pleito eleitoral e a agilidade dos trabalhos, bem como em solicitar uma cópia do B.U. (Boletim de Urna) com o resultado na Seção, especialmente para receberem a diária combinada.
A gente vê de quase tudo, como em um dado momento, com a fila em tamanho considerável, quando ouvi o galo cantar. "Só faltava isso", pensei. Ainda bem era só o toque de celular de um senhor muito bacana, que valeu para descontrair o ambiente, inclusive depois que uma senhora solicitou que compartilhasse com ela o som, digamos, rural.
Enfim, merece registro também o relato interessante de uma colega de outra Zona Eleitoral, que presenciou a revolta de uma pessoa, até bem esclarecida, diante dos "problemas" apresentados pela tela "touch screen", que "se recusava" a receber os números do seu candidato.
O que será que me aguarda no Segundo Turno?

Comentários